terça-feira, 4 de agosto de 2009

A íntima relação entre a Comédia e da Tragédia.

Como sempre o destino foi decidido na última hora. Estávamos no carro e paramos num posto para abastecer, pegamos o mapa pra estudar a rota, na verdade dessa vez foi um pouco diferente que das outras vezes e digo isso porque normalmente os destinos de nossas viagens eram realmente decididos no caminho. Esperávamos pelo inesperado, era uma espécie de roleta russa, fechávamos os olhos, apontávamos um destino e disparávamos, criávamos possíveis rotas que em alguns casos mudavam pelas circunstâncias que o desconhecido nos apresentava, mas era completamente aceitável. Mas desta vez já estava predestinado, talvez porque esse destino era uma vontade minha que sempre deixei clara e que os outros integrantes como bons aventureiros, homens da estrada, acataram e decidiram abraçar a idéia. Nosso objetivo era o pico das agulhas, parte alta do Parque Nacional do Itatiaia. Pegamos a rodovia e a viagem rolou madrugada à dentro.
Chegando na cidade Itatiaia, pegamos uma pequena rodovia federal que dava acesso a parte alta do parque uma estrada sinuosa e que subia infinitamente, perdemos a conta de quantas vezes cruzamos a divisa entre os estados de Minas, do Rio e São Paulo, estávamos nesse miolo. Depois de cerca de uma hora subindo, encontramos o alivio, porque podemos encontrar o alívio sim, na forma de placa indicando que estávamos no caminho certo, tínhamos que dobrar a esquerda numa estrada de terra, a pousada Alsene estava a 10 Km. Uma estrada com uma subida pesada cheia de pedras e uma areia fofa, onde muitas durante a noite tivemos que descer do carro empurrar, procurar galhos para apoiar a carro atolado no breu total, naquela noite nem a lua apareceu pra iluminar nosso caminho. O sol já apontava os primeiros raios no horizonte, quando chegamos numa ponte de onde pudemos ver um vale, a ali vimos a a floresta acordar com o raiar do sol, foi uma sensação incrível, que infelizmente não consigo explicar com palavras. Depois do espetáculo, voltamos pro carro e ali já sentíamos o frio da montanha.




Chegamos na pousada, e uma placa nos informava a altitude 2400 m, e nos espantamos quando vimos uns atletas correndo aquela hora da manha, descobrimos com a recepcionista da pousada que eram atletas que iriam passar um mês treinando naquela altitude para aumentar a eficiência numa maratona. Levamos muito tempo pra chegar, quase o dobro do tempo planejado, e ali montamos a barraca no camping e dormimos o sono dos justos.
Acordamos e a primeira coisa que lembro assim que abri a barraca foi da paisagem, estávamos acampados numa região plana de uma montanha debaixo de uma árvore, de lá era possível ver um vale no meio de muita neblina e uma pequena corredeira, uma visão realmente diferente, acho inclusive que se que se for verdade o que pregam que temos alma e que ela vai pra algum lugar depois da morte, esse lugar deve ser assim.

Fomos atrás do instrutor da escalada, conversamos e marcamos a escalada com o grupo que iria subir no pico no domingo. Decidimos descer para a cidade e assim voltaríamos no sábado a noite, pois a primeira instrução da escalada era que deveriamos começar as 8 horas, isso para dar tempo de voltarmos com a luz do dia e ainda teríamos que esta prontos antes da 7 para as primeiras instruções de escalada. A principio foi preocupante pois isso queria dizer que teríamos pelo menos 8 horas de caminhada, sera que estavamos preparados?.
Depois de tudo acertado, descemos para as cidades vizinhas, retornamos na noite de sábado pro acampamento, só que no meio do caminho havia uma pedra, e essa pedra furou o pneu do carro. A noite, no escuro e na areia não foi fácil trocar um pneu mas conseguimos a tempo chegar no acampamento e conseguir dormir umas horas.
Acordamos, estávamos ansiosos, principalmente depois de encontramos o instrutor e ele dizer pro Adriano, você vai assim?, apontando para os pés dele que estava com um par de All Star, o que mostrou que não estávamos nada preparados pra subir. Mas como homens destemidos, resolvemos ir em frente. E ai descobrimos que não tínhamos nada para comer e nem beber o que era no mínimo necessário, porque a caminhada era longa e não bastasse isso, bem inclinada. No restaurante onde comemos o café da manhã resolvemos comprar umas frutas, que foi uma barganha de 20 reais, por 3 maças e seis bananas. Era nossa última opção, como diz o ditado abraçamos o capeta, de céu o lugar virou o inferno. Nessa altura da vida desistir depois de tudo que passamos não era a idéia, pensamos que o pior já tinha passado.
Começamos a caminhada, passamos o portão do Ibama assinamos uns termos de responsabilidade, e o instrutor nos disse para seguirmos numa estrada, e seguimos. No caminho conhecemos o flamenguinho, um pequeno sapo preto com as patas e o peito vermelho que só vive nesta região e nessa altitude.

Admiravamos a vegetação típica, havia uma espécie de planta com um tronco preto e com uma folhagem muito bonita nas copas, depois descobrimos que na verdade essa vegetação típica eram árvores queimadas, torradas com mato crescendo em cima das copas, queimada possivelmente causada por fazendeiros que não queriam vender suas terras vizinhas para a ampliação do parque e de alguma forma queriam desvalorizar suas terras pra esse fim.
Andamos por 40 minutos até a base do pico, ai o instrutor chegou de moto, o que criou uma certa inconformidade de alguns que talvez já estavam cansados e acho que queriam uma carona.

Enfim começamos a subida, atravessamos córregos e lugares com paisagens realmente bonitas, e a subida ia se tornado cada vez mais intensa, ao ponto de olhar pra cima e achar impossível subir, mas quando íamos subindo era possível ver reentrâncias entre as rochas por onde subimos.


Conforme se subia o medo também aumentava o importante era controlar o medo para não travar na rocha como aconteceu com um casal que o instrutor teve a infelicidade de ter que puxá-los por alguns trechos mais difíceis, quis facilitar a vida vindo de moto mas no fim teve que fazer bastante força. O medo nessa situação pode pode causar duas coisas, ou você entra em pânico e trava na rocha ou se concentra muito na subida pra não morrer, e com isso acaba esquecendo do medo. O medo era atrasado, ele aparecia quando você chegava num patamar e olhava pra baixo e se perguntava como conseguiu fazer aquilo, medo também acontecia quando você chegava num lugar seguro e seu amigo tava subindo, você olha pra baixo e sente muito medo por ele, principalmente quando um deles esta de AllStar.
Depois de algumas horas de subida o vegetação vai se tornando muito escassa até não sobrar nada, a não ser uma espécie de planta que infelizmente esqueci o nome que consegue sobreviver a essas condições, era isso que estamos tentando fazer sobreviver a essas condições, nessa altura o vento já era muito forte o que exigia um pouco mais de concentração pra não ficar dando bobeira e sair voando.


Alias, o pico se chama Agulhas Negras pela coloração da rocha e do desenho que se formou nas rochas ao longo do tempo pela passagem da agua criando a impressão de que são agulhas.
Continuamos a busca pelo cume do pico, alguns instantes antes da chegada todos fazem aquela famosa piada, “Só o cume interessa” entendeu essa?, até que enfim chegamos, 2792,66 m de altitude, ai foi uma felicidade, todos se cumprimentaram e se abraçaram. A felicidade primeiro pelo alivio de ter vencido as adversidades, de estar vivo e dos amigos estarem bem, depois a felicidade da conquista de estar lá em cima depois de tanto esforço, 5 horas ininterruptas de subida, com muito frio, com a respiração ofegante por causa da altitude e com fome ... pois é, nós tinhamos um banquete, 1 maça e 2 bananas pra cada um, fiquei até triste na hora da divisão de ver a cara de fome dos meus amigos e de imaginar minha também. Comemos, depois disso ai tudo é festa, colocamos nossos nomes em um livro que fica dentro de um caixa la em cima, conversamos confraternizamos e depois de 30 minutos voltamos.

Pra descer foi mais fácil e rápido, fizemos rapel em alguns momentos, foi bem divertido. Mas não imaginavamos o que nos esperava na base do pico, caiu uma chuva muito forte que devia ser granito porque doía, pancadas que cairam do céu, pegamos a estrada de volta com frio, molhados, mas eu estava feliz. Algumas coisas marcaram la em cima, uma águia ou um gavião, não sei, tentando voar contra o vento bem perto de nós, foi uma coisa que me marcou.
Tomamos um banho, acertamos nossas coisas e paramos pra conversar no fim da tarde, quando olhamos pro lado vimos nossa barraca voando, os 3 saindo correndo atrás desta foi hilário, quanto mais nos aproximavamos mais o vento levava, mas nem tinhamos coisas importantes além de nossas carteiras com documentos, cartões de banco e nosso dinheiro. Conseguimos depois de muito custo recuperar a barraca antes dela voar pelo vale e se perder para sempre. Então nos despedimos do pessoal e tomamos o rumo de volta, todos satisfeitos, íamos jantar dormir e voltar de volta pra casa no outra dia a noite.
Você que conseguiu acompanhar até aqui pensa que acabou, pois é, mas naquela estrada tinha outra pedra, isso mesmo, fomos com o pneu furado até a estrada asfaltada pra pedir ajuda porque não tínhamos mais o estepe, começamos a pedir ajuda e lógico, ninguém parava. Até que começou a chover, ai completou nossa sorte ou a falta dela, pegamos um guarda chuva e revesávamos na beira da estrada pedindo ajuda no meio do temporal. Um senhor de bom coração resolveu parar, pegou nosso estepe e disse que voltaria em 30 minutos, entramos no carro com um alívio e uma certa esperança na humanidade, e ali ficamos parados e quietos sem som porque uma hora dessas gastar a bateria não seria legal pois sem bateria e sem combustível era algo que não podia acontecer, e nesse silencio alguém disse, “e se esse cara pegar o estepe e não voltar?”, surgiu um inicio de pânico. Mas o senhor de bom coração voltou com uns 32 minutos e esses 2 minutos de atraso foram um dos mais demorados da nossa vida. Mas tivemos a sorte de conhecer o senhor de bom coração o que mostra que temos que ter esperança na humanidade.
Depois de tudo isso com um duas bananas e uma maça no estomago, e a certeza que essas não estavam mais lá pela fome que sentiamos, fomos jantar, e de repente o 3 começam a passar mal encostam a cabeça na mesa, sentimos que estávamos com febre e o Adriano até vomitou, não sei o que, mas vomitou.
Chegou a comida, a principio não queríamos comer porque realmente estavamos mal, mas depois de umas garfadas o apetite voltou, quando terminamos de comer já estávamos bom, foi incrível, uma recuperação que pareceu mágica, o que prova que fome, além de uma doença doença social é física.
Essa viagem já faz 2 anos, fizemos outras e tivemos muitas histórias como essas e sempre tivemos bom humor par olhar pra trás e resolver o problemas das formas mais inusitadas , é isso ai, como sempre dizemos “Isso é da estrada” e Tamo viajano moçada!!!
Isso é uma prova que a comédia e o tragédia são muito ligados, o que é comédia? O que é tragédia? no fundo são as mesmas coisas vistas por pontos de vista diferentes.

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